Em pleno século XXI, o estigma associado à Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção (PHDA) permanece palpável! As preconceções (i.e., crenças ou ideias prévias) sobre a autenticidade da PHDA e a responsabilização nas competências parentais de quem educa estas crianças permanecem enraizadas em mentes pelo mundo fora. Apesar das dificuldades significativas a nível académico, social, emocional e comportamental, estas crianças são, frequentemente, rotuladas como desinteressadas, mal-educadas e preguiçosas. Recebem, claramente, mais comentários negativos sobre o seu comportamento e desempenho do que crianças sem a perturbação, modelando o seu autoconceito em função de crenças pouco autênticas e desajustadas. São muitas vezes ostracizadas porque não aprendem como os outros e não se comportam dentro da norma e, no meio de tudo isto, temos pais a lidar com sentimentos de desesperança em relação ao futuro dos seus filhos.
Ainda há muito que não sabemos sobre a etiologia (i.e., origens), trajetória e intervenção na PHDA, tal como com outras doenças de foro físico. Contudo, não restam dúvidas quanto ao facto de esta ser uma perturbação verídica, crónica e que, sem intervenção, pode ter efeitos prejudiciais no desenvolvimento destas crianças e no seu futuro enquanto adultos.
Outubro é o mês de consciencialização para a PHDA, por isso, vamos desmistificar!
O QUE É A PHDA?
A Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção é uma perturbação do neurodesenvolvimento caracterizada por um padrão persistente de desatenção ou falta de concentração e/ou hiperatividade-impulsividade, que se revela de modo mais intenso e grave que o habitual para indivíduos com o mesmo grau de desenvolvimento, interferindo significativamente no rendimento académico, social ou laboral.
Desatenção: dificuldades em regular o foco de atenção. As crianças com PHDA tendem a apresentar dificuldades em permanecer concentradas nas tarefas, terminar trabalhos escolares ou tarefas da rotina diária, manter o foco, trabalhar de forma independente sem supervisão e organizar tarefas e atividades. Muitas vezes, não ouvem com atenção quando lhes falam diretamente, não prestam atenção aos detalhes e não seguem instruções ou esquecem-se do que lhes foi pedido. Estas dificuldades são mais proeminentes durante tarefas ou atividades repetitivas, desinteressantes e exaustivas/complexas.
Hiperatividade: atividade motora e verbal excessiva e desproporcional ao nível desenvolvimental. As crianças hiperativas podem ser irrequietas, impacientes e conversadoras. Estão, frequentemente, fora dos seus lugares na escola ou noutras circunstâncias em que o sentar é esperado (por exemplo, na igreja, à hora das refeições), movem os braços, as pernas ou as mãos, brincam com objetos, dançam, cantam ou fazem ruídos enquanto trabalham ou estudam. Estes comportamentos estão geralmente presentes se a criança estiver aborrecida ou subestimulada (i.e., falta de estímulos adequados para manter o interesse e atenção).
Impulsividade: fracas competências de controlo inibitório. Agir ou falar sem considerar cuidadosamente nas consequências presentes e futuras, para si e para os outros, dar respostas antes de a pergunta ser concluída, interromper os outros quando estão a falar e dificuldades no adiamento da gratificação (ex.: esperar numa fila, esperar pela sua vez para participar num jogo), são características associadas a comportamentos impulsivos.
Uma característica adicional, menos conhecida, é a desregulação emocional (DE). A DE refere-se à incapacidade de modular ou suprimir as respostas emocionais, ou seja, estas tendem a ser desproporcionais à idade de desenvolvimento e ao contexto social da criança. A DE pode apresentar-se como excitabilidade fácil ou dificuldades em moderar a expressão das emoções negativas (ex.: baixa tolerância à frustração, impaciência e raiva).
MITOS
A PHDA é uma conceção dos tempos modernos.
Uma análise da literatura histórica sugere que crianças com sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade têm vindo a ser descritas por vários autores nos últimos 200 anos. A primeira descrição médica de crianças com sintomas análogos à atual concetualização de PHDA data de 1755.
Sem hiperatividade, não há PHDA.
Isto não é verdade! De acordo com a frequência e intensidade dos sintomas, a PHDA pode ser subdividida em três padrões de apresentação distintos: a) predominantemente desatenta, quando existem, maioritariamente, sintomas de desatenção; b) predominantemente hiperativa-impulsiva, quando estão presentes, sobretudo, sintomas de hiperatividade-impulsividade e c) combinada, se estiverem presentes seis ou mais sintomas de ambos os fatores.
A PHDA só afeta rapazes.
É verdade que as taxas de diagnóstico entre géneros são significativamente díspares, contudo, a PHDA não está, apenas, presente nos rapazes! Esta discrepância é atribuída, na literatura, à frequência reduzida de sintomas de hiperatividade-impulsividade e de comportamentos externalizantes (isto é, o vulgar “mau comportamento”) nas meninas, que conduz a uma identificação, encaminhamento e diagnóstico tardios.
Não há adultos com PHDA.
A PHDA é um quadro clínico neurobiológico e crónico! Isto significa que afeta os indivíduos ao longo do ciclo de vida. Apesar da possibilidade de remissão total ou parcial dos sintomas, as estimativas atuais indicam que 2.5% dos adultos cumprem critérios de diagnóstico para PHDA. Contudo, a apresentação sintomatológica vai-se modificando com o desenvolvimento: a hiperatividade diminui durante a adolescência e as dificuldades atencionais, de planeamento, organização e controlo inibitório mantêm-se significativas na idade adulta.
A PHDA é consequência de competências parentais pobres, a dita “má educação”.
A PHDA é caracterizada por uma etiologia complexa. Sabemos, atualmente, que a origem da PHDA é atribuída à interação entre fatores genéticos, neurológicos e ambientais. Isto significa que se um adulto tiver PHDA, a probabilidade do seu filho ser diagnosticado é de 50 a 60%. Contudo, existem fatores pré- (i.e., associados à saúde materna e ao bem-estar durante a gravidez), peri- (ex.: associados a complicações durante o parto e nascimento) e pós-natais (i.e., acontecimentos adversos que ocorrem após o nascimento) que podem contribuir para o desenvolvimento, expressão e trajetória dos sintomas.
A características descritas têm sérias consequências em múltiplos contextos e estão associadas a dificuldades académicas, relacionais, emocionais e comportamentais que acompanham estas crianças ao longo do ciclo de vida. Já em 1995 se escrevia na comunidade científica que estas dificuldades originam sentimentos de incompetência, insegurança, ineficácia, insucesso e frustração na vida adulta. Por isso, cabe-nos a nós, adultos e profissionais (i.e., psicólogos, médicos, terapeutas, professores), providenciar a estas crianças a confiança que muitas vezes lhes falta, as competências que muitas vezes têm dificuldade em colocar em prática e a compreensão que, frequentemente, não faz parte do seu dia-a-dia, para que se tornem adultos estáveis, realizados e confiantes em si e nas suas capacidades.
A falta de consciencialização e conhecimento sobre a PHDA conduzem, inequivocamente, à demora no encaminhamento, avaliação, intervenção e obtenção dos apoios que a criança tanto precisa, por isso, sejamos atentos e empáticos na tentativa de ajudar estas crianças a atingir o seu potencial.
Andreia Veloso




